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Afropessimismo, de Frank B. Wilderson III

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Por Eduardo Galeno Frank B. Wilderson III. The Nation. Olhavam para nós como se fôssemos zebras — James Baldwin, Se a rua Beale falasse     Some day, some day, lord Some day I'll, I shall wear a starry crown — cantado por Shirley Ann Lee     e há, mais majestoso ou diferentemente majestoso, mais soberano ou diferentemente soberano, a majestade da poesia ou a majestade do absurdo, na medida em que ela dá testemunho da presença dos humanos. — Jacques Derrida, A besta e o soberano     Uma frase introdutória: o fim do mundo é o começo da total insurreição negra. O texto do livro de Frank B. Wilderson III expõe o drama. Um drama pelo qual a negritude — forma senciente do corpo que descende da África — pega o bonde da história, do horror da história, da carnificina em que se desmonta. Texto carregado de vozes, histórias e sentidos — a cadeia significante que a brutalidade narrativa de um afropessimista pôde propor para nós, leitores (negros ou não). Brutal porque o texto de Frank se apo

Byron, o eterno peregrino

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Por Luis Castellvi Laukamp Lord Byron. Théodore Géricault. Dos poetas da segunda geração romântica inglesa (Keats, Shelley, Byron), Lord Byron foi o único que teve sucesso em vida. Celebrado nacional e internacionalmente, conhecido por sua exuberante vida amorosa, o poeta cultivou uma reputação de libertino. Foi, por assim dizer, o Mick Jagger do romantismo. Uma das amantes abandonadas por ele o descreveu como “mad, bad, and dangerous to know” (louco, malvado e perigoso de se conhecer). A frase ainda ressoa na Inglaterra, a tal ponto que uma peça sobre Byron na Abadia de Newstead (a ancestral mansão de sua família) é precisamente intitulada Dangerous to Know .   E foi cercado por vários escândalos (um ruidoso divórcio, rumores de incesto e bissexualidade) que Byron deixou a Inglaterra com sua reputação em xeque. Percy Bysshe Shelley fez o mesmo. Os dois se conheceram na Suíça em 1816, onde Mary Shelley escreveu Frankenstein . Eles se encontraram novamente em Veneza, quando Shelley visi

Boletim Letras 360º #580

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Orhan Pamuk. Foto: Basso Cannarsa. LANÇAMENTOS   Em romance ambicioso, com ecos de Tolstói, o escritor Prêmio Nobel de Literatura Orhan Pamuk utiliza ampla pesquisa histórica para dar vivacidade de detalhes ao universo da ilha fictícia de Mingheira, que enfrenta uma pandemia avassaladora no começo do século XX .   Uma nova doença começa a fazer vítimas em uma ilha do Império Otomano, no começo do século XX. O Químico Real do Sultão é enviado de Istambul para controlar a situação, mas é assassinado. A princesa Pakize e seu marido epidemiologista logo são despachados para o local para investigar, e assim se inicia uma saga sem igual na literatura contemporânea. Enquanto os cadáveres se empilham devido a esta enfermidade avassaladora, as questões culturais, como antagonismos religiosos e suas consequências políticas, interferem diretamente na maneira como os moradores lidam com a ameaça de saúde pública. Partindo dessa premissa tempestuosa, Orhan Pamuk esboça os principais traços de seu r

O pensamento crítico de José Guilherme Merquior

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Por Herasmo Braga José Guilherme Merquior. Foto: Fernando Bueno.   Se a literatura brasileira quando comparada com as da velha Europa é vista como jovem, sem com isso desapontar em face das grandes produções, a produção intelectual em nosso meio advoga para si a maturidade de análises de grandes pensadores com significativas produções. São evidentes as envergaduras intelectivas de vultosos intérpretes da nossa cultura, ideias, aspectos históricos, filosóficos, literários, a exemplo de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido, Boris Fausto, Luiz Costa Lima, entre muitos outros, que nada deixam a dever quando cotejados aos basilares pensadores do século XX no mundo. Dessa gama de imponente representatividade, destacamos José Guilherme Merquior. O propósito destas linhas é problematizar, por meio de microideias, algumas questões diante do seu vigor intelectual, tendo como norte a inquietação expressada por muitos: de que maneira podemos reavaliar a obra e pensamento de

Muito mais que borboletas amarelas: García Márquez jornalista

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Por Vicente Alfonso O escritor Gabriel García Márquez no escritório de Bogotá da agência cubana de notícias Prensa Latina, 1959. Foto: Hernán Díaz.   Em La invención de la crónica (1992), Susana Rotker observa que “mais da metade da obra escrita de José Martí e dois terços da de Rubén Darío são constituídos por textos publicados em jornais, porém a história literária tem centrado o interesse basicamente em suas poesias.” Precisão semelhante pode ser aplicada a Gabriel García Márquez: além de escrever e publicar dez romances, quatro volumes de contos, uma peça de teatro e um volume de memórias, Gabo desenvolveu uma prolífica e ousada carreira jornalística. Entre 1948 e 1999 publicou centenas de artigos, resenhas, crônicas e reportagens que, compilados em cinco volumes, totalizam 3.288 páginas. Esses cinco volumes contêm histórias verdadeiras que comovem e entusiasmam tanto quanto suas melhores ficções. Na passagem dos dez anos da morte do escritor Prêmio Nobel da Literatura de 1982, a

“Os delinquentes”. Querer viver ao contrário

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  Por Iván Tarrés     Mas eu diria aos meus semelhantes e de uma vez por todas: na medida do possível, vivam livres e sem compromisso. Não importa se você está em uma fazenda ou na prisão do condado.   — Henry David Thoreau, Walden   Levante a mão quem nunca alguma vez amaldiçoou os bancos. Difícil não o fazer, pelo menos quando percebemos que nos descontaram aqueles 0,03 centavos, o que, sim, pode não ser uma fortuna, mas é inevitável pensar na soma de todas essas poucas “moedas” de cada cliente e como elas servem para torná-los milionários. Porque por mais que o setor bancário lamente , a realidade é que sempre sai com lucros exorbitantes. “O banco nunca perde”, diz-se, e sem dúvida isso sempre alimenta a suspeita e a antipatia para com os guardiões do nosso dinheiro. Um terreno fértil, em suma, do qual a literatura e o cinema se utilizaram em inúmeras ocasiões —   também a partir de acontecimentos reais —, fazendo com que os bancários levantassem a mão, nestes casos.   Destinatári