Essa estranha instituição chamada literatura: uma conversa com Jacques Derrida

Por Fernanda Fatureto



Em 1989, o acadêmico sul-africano Derek Attridge entrevistou Jacques Derrida e a conversa foi reunida no livro Acts of Literature, do filósofo francês. Em 2014, a Editora UFMG reuniu esse diálogo e o publicou no Brasil em 118 páginas sob o título Essa estranha instituição chamada literatura, com apresentação do pesquisador Evando Nascimento. Abaixo, algumas notas acerca das afirmações de Jacques Derrida sobre a literatura:

1. A literatura é a instituição que permite dizer tudo. O espaço da literatura não é somente o de uma instituição fictícia, a qual, em princípio, permite dizer tudo. Dizer tudo é, sem dúvida, reunir, por meio da tradução, todas as figuras umas nas outras, totalizar formalizando; mas dizer tudo é também transpor os interditos. É liberar-se – em todos os campos nos quais a lei pode se impor como lei. A lei da literatura tende, em princípio, a desafiar ou a suspender a lei. É uma instituição que tende a extrapolar a instituição.

2. A instituição da literatura no Ocidente, em sua forma relativamente moderna, está ligada à autorização para dizer tudo e, sem dúvida também, ao advento de uma ideia moderna de democracia.

3. A história da literatura se constrói como a ruína de um monumento que basicamente nunca existiu. É a história de uma ruína, a narrativa de uma memória que produz o acontecimento por relatar e que nunca terá estado presente.

4. Uma literatura que falasse apenas de literatura ou uma obra que fosse puramente autorreferencial se anularia de imediato.

5. Não há literatura sem uma relação suspensa com o sentido e com a referência. Suspensa quer dizer suspensão, mas também depedência, condição, condicionalidade. Sem dúvida, toda linguagem se refere a algo além de si mesma ou à linguagem como alguma outra coisa.

6. A semântica e a temática de um texto literário carregam ou “assumem” alguma metafísica.

7. Há ficcionalidade em toda literatura.

8. A “boa” crítica literária, a única que vale a pena, implica um ato, uma assinatura ou contra-assinatura literária, uma experiência inventiva da linguagem, na língua, uma inscrição do ato de leitura no campo do texto.

9. A experiência de escrita está “sujeita” a um imperativo: originar acontecimentos singulares, inventar algo novo na forma de atos de escrita.

10. Em sua experiência de escrita, um escritor não pode deixar de estar envolvido, interessado, inquieto com relação ao passado, seja o da literatura, da história ou da filosofia, da cultura em geral.

11. A literatura está também a seu modo “na vida”, na “vida real”.

12. A literatura: lugar, a um só tempo, institucional e selvagem, lugar institucional no qual, em princípio, é permitido colocar em questão ou, de qualquer modo, suspender toda a instituição.

13. A lógica da obra, especialmente em literatura, é uma “lógica” da assinatura, uma paradoxologia da marca singular.

14. Uma obra acontece apenas uma vez e, longe de ir contra a história, essa unicidade da instituição, que não é de forma alguma natural e nunca será substituída.

15. A atenção à história, ao contexto e ao gênero é uma exigência, e não uma contradição, dessa singularidade, da data e da assinatura da obra.

16. Para uma obra se tornar legível, é preciso que ela seja compartilhada, que participe e pertença.

17. Nenhum critério interno pode garantir a “literariedade” essencial de um texto. Não há nenhuma essência ou existência garantida da literatura.

18. Mesmo a convenção que permite a uma comunidade chegar a um acordo sobre o status literário desse ou daquele fenômeno permanece precária, instável e sempre sujeita a revisão.

19. A obra então se torna uma instituição formadora de seus próprios leitores.

20. O que interessa é a invenção de um destinatário capaz de contra-assinar a obra e de dizer “sim” a ela, de uma forma comprometida e lúcida.


*** 

Fernanda Fatureto é autora de Ensaios para a queda (Penalux, 2017). Bacharel em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Estreou em 2014 com o livro de poemas Intimidade Inconfessável (Patuá, 2014). Possui poemas em revistas literárias do Brasil e de Portugal.


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